quinta-feira, 9 de junho de 2016

Crônica escrita a partir do espaço


       Hoje é dia de ir à escola. De novo. Não vejo a hora do fim de semana chegar e eu finalmente poder descansar. Estava me preparando psicologicamente para mais um dia na frente dos olhos daquele menino quando ouço o barulho da porta fechando. Todos os ruídos que ouvia há alguns segundos se silenciam. Será que ele foi embora sem me levar? Me esqueceu? Bom, se ele me esquece quem sofre é ele, coitado, dois graus de miopia em cada olho... Enfim, pelo menos ganho um tempo para descansar. Estou num sono profundo quando alguém me pega pela haste e me leva correndo até a porta de casa. Estou muito sonolento para ver quem é, mas pela voz parece a mãe. Ela fala sem parar no celular enquanto entramos no carro, durante o caminho inteiro que fazemos. Para onde será que ela está me levando? Noto que há muito trânsito, e tento espiar em que rua estou, ou bairro, mas não tenho muita estrutura para fazer isso, então me contento com a minha vista, do chão.
       O carro para. A mãe me pega pela haste de novo e me leva até um lugar, que agora sei qual é, a escola. Ela me deixa num balcãozinho e sou guardado numa gaveta. Não me lembro muito da minha estadia lá, pois dormi, mas lembro que em algum momento alguém me tirou de lá e me colocou no balcãozinho novamente. O menino! Meu dono! O vejo vindo de longe, em direção a mim, Ele anda meio descoordenado, talvez por estar sem mim, mas chega até o balcãozinho, me pega e me veste, na frente dos seus olhos como sempre faz.
       Então ele sai andando comigo e temos mais um dia normal, brincando, conversando e me deixando cair várias vezes, claro.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Ter ou não ter um irmão



Ter irmão é ter alguém para conversar quando chega da escola. É ter alguém que te ouça, que pode te ajudar como ninguém mais. Que reconhece suas amigas falsas antes mesmo de você (e da sua mãe).
            Quem não tem irmão não sabe o que é discutir sobre quem vai tomar banho primeiro todo dia, não sabe o que é ficar conversando antes de dormir na casa da vó. Não sabe o que é ter tantas piadas internas que nem dá para contar nos dedos. Não sabe o que é ter vivido quase tudo junto, mesmo sem se dar conta às vezes. Quem não tem irmão pode até arrumar um melhor amigo parecido, mas nunca vai ser igual a ter um irmão.
            Não sabe quem não tem irmão o que é ficar REALMENTE brava com ele, não sabe como é ter aquelas briguinhas chatas (que aliás, no final sempre se resolvem). Não sabe o que é ter que assistir todos aqueles desenhos que ele assiste, e até saber algumas musiquinhas dos programas de cor. Não sabe o que é conhecer uma pessoa como conhece a própria palma da mão. Não sabe o que você sente quando ele está bravo e não deixa você abraçá-lo. Não sabe o que é ouvir todos os seus dilemas e acabar contando os seus para ele também.
            Não sabe o que é ouvir uma frase ou uma palavra quando não está com ele e lembrar de alguma piada interna ou de alguma coisa que só vocês dois sabem e começar a dar risada.
            Quem não tem irmão também não sabe o que é não conseguir imaginar uma vida sem as suas briguinhas, sem os chororôs, sem as birrinhas.
            Quem não tem irmão não sabe o que é ter que aguentar todas as piadas infames que ele conta (que se tornam engraçadas de tão bobas). Não sabe o que é saber que um dia ele também vai crescer, que nem todo mundo, mesmo que a gente não queira.

terça-feira, 12 de abril de 2016

Crônica de observação


            Hoje é um dia normal. “Normal”. O que faz de um dia um dia normal? Um dia em que as coisas correm como sempre correram? Nenhum dia é igual ao anterior, ou a qualquer outro que veio antes... Acordei reflexiva. Enfim, retomando, hoje é um dia normal. É um domingo, e estou caminhando em volta da Praça Buenos Aires, como faço todas as manhãs. Mas hoje resolvi prestar mais atenção no que está à minha volta, ao invés de pensar em coisas como quantas voltas faltam para eu poder voltar para casa.
            Não tenho tido tempo nem de dormir nessas últimas três semanas com esse novo trabalho que eu arrumei. Em um jornal. Bom, já imaginava que ia ser meio puxado, mas nada como está sendo. O dinheiro é bom, e os colegas de trabalho são bem legais também. Mas não sei se estou feliz fazendo isso, sem ter tempo de fazer nada além de trabalhar.
            Resumindo, estou bem cansada. E resolvi sair essa manhã para refrescar a cabeça, respirar um pouco.
            Acordei e tomei banho. Vou me encontrar com a minha família mais tarde para um almoço de domingo em família, então me maquiei, coloquei meu turbante mais bonito, e coloquei uma roupa bonita, mas ainda apropriada para andar na praça, pois daquela caminhada ai direto para a casa dos meus pais.
            Enfim, comecei a caminhar, e por volta da terceira volta percebi uma garota de uns 13 anos me observando com um caderno na mão, anotando avidamente enquanto me observava. Apesar de ter ficado incomodada no momento, continuei a minha caminhada. Na quarta volta, olhei para o lado e lá estava ela no mesmo lugar. E se ela fosse louca? Enfim, não a abordei, continuei andando pensando se ela ainda estaria lá quando passasse por ela de novo.
            Passei pelo banco. Não a vi, ela foi embora. Estaria ela com medo? De mim talvez? Olhei para os lados, para trás, para os lados de novo... E nada. Ixi, eu olhei para ela com uma cara quando passei ao seu lado... Enfim, desde que ela não esteja me seguindo estou bem. Mas onde estaria ela agora?

sábado, 9 de abril de 2016

Crônica de jornal


Notícia: Astronauta pop-star dos EUA volta á Terra após 340 dias

            Cheguei! Finalmente cheguei em casa. Depois de quase um ano... Não sabia que era possível sentir tanta falta da minha casa, família, de viver na Terra.
            Parece até que foi ontem... Me lembro nitidamente do dia em que parti, do dia em que vi o espaço pela primeira vez.
            Entrei com meus três colegas na nave. Eles estavam muito animados, já tinham ido fazer missões no espaço milhares de vezes, já eu, nem estava. Estava com medo, bastante medo. Não é que eu não queria ir, só não fazia muita questão, se é que você me entende. Decolamos alguns minutos após entrarmos na nave, e foi nesse momento que eu quase enfartei. Meus colegas tentaram me acalmar e falaram que nunca em nenhuma das vezes em que eles viajaram algo aconteceu na decolagem. Isso não me ajudou muito, mas consegui ficar bem até atravessarmos a atmosfera. Quando chegamos no espaço consegui me acalmar. Tudo começou a flutuar. Fiquei mais leve, tudo ficou mais leve. Era uma sensação incrível, parecia não pesar nada. Olhei para fora e vi embaixo da nossa nave a Terra, detalhada como nunca havia visto em nenhuma foto.
            “Será que já é noite na Terra?” “Quanto tempo se passou desde que partimos?” “Qual será a velocidade da nossa nave agora?”. Essas eram coisas que eu me perguntava enquanto olhava para a Terra. Meus colegas conversavam comigo, mas não conseguia prestar atenção em mais nada além do que estava observando.
            Em algum momento parei de viajar na minha cabeça e comecei a prestar atenção no que meus colegas me diziam. O que eles falavam era importante, agora não me lembro exatamente o que era, mas tinha a ver com a hora de dormir, a nossa comida durante a viagem e coisas básicas como essas que não explicaram muito bem quando fomos nos preparar.
            Então comecei a ficar com fome. Fui procurar uma tal dispensa da qual meu colega tinha falado, e ela ficava do outro lado da nave, então tive que atravessá-la inteira. Cheguei lá e vi várias opções de refeição. Batata amassada, carne com vegetais e couve flor com queijo são as que eu me lembro. Peguei todas as que eu vi e levei para onde estávamos todos. Meus dois colegas comeram a carne com vegetais e eu escolhi a batata amassada, que era a que estava com cara melhor. Tive de comer aquilo quase como se estivesse bebendo, com um canudo, mas estava bem saboroso, nada mal se for levar em conta o que alguns amigos falaram sobre a comida no espaço.
            Tinha que tomar banho também, mas aparentemente ainda não existem chuveiros no espaço. É, bem ruim, tive que me contentar com umas toalhinhas molhadas e olhe lá. Meus colegas nem tocaram nesse assunto, já devia ser natural pra eles ficar sem tomar banho lá.
            Após tomar meu “banho”, a única coisa que queria fazer era dormir. Então ao meu lado havia um tipo de maca dobrável que supostamente era aonde íamos dormir. Deitei lá então, e logo caí no sono.
            E foram assim praticamente todos os outros dias que se seguiram, eu fui me acostumando e o espaço foi virando um lar para mim.
            Não sei como, mas consegui sobreviver quase um ano no espaço. Documentei a minha trajetória no espaço nas redes sociais, por isso o nome “astronauta pop star”. Senti muita falta de casa, mas agora nada se compara à falta que estou sentindo da minha segunda casa, o espaço.